Investimento em Estúdios de Games – Tipos de Investimento e principais cláusulas contratuais

*Por Nathally Reis e Alexandre Caputo

 

O mercado de games movimenta bilhões todos os anos, de forma que, só em 2022, a indústria global de jogos faturou US$ 196,8 bilhões. Além disso, segundo projeções da consultoria PwC, a expectativa é que o setor alcance um faturamento global de US$ 321 bilhões de dólares até 2026.1

Um relatório da XDS (External Development Summit) demonstrou que o Brasil é um dos principais players no desenvolvimento de games, sendo um dos países cada vez mais relevantes quando se trata de investimento em estúdios de games.2 Apenas no Brasil, o negócio de games movimenta R$ 12 bilhões ao ano.3

Falando em investimento, as negociações na indústria de games atingiram US$ 127 bilhões em 2022, envolvendo mais de 1.250 investimentos, fusões e aquisições, conforme relatório da Drake Star Partners.4 Esses números demonstram o crescimento exponencial que este setor vem atingindo.

Existem diferentes formas possíveis de captação de investimento por um Estúdio de Games, tais como através de Venture Capital (investimento-anjo, aceleradoras, fundos de investimento, entre outros) ou através de investimento em Propriedade intelectual específica para um projeto (game).

A seguir, iremos trazer e detalhar as diferenças entre estes tipos de investimento e algumas cláusulas que devem ter a atenção redobrada por quem têm interesse ou já participa desta relação.

 

  1. INVESTIMENTO VIA VENTURE CAPITAL

 

O investimento através de Venture Capital significa que um investidor, seja ele um Investidor-Anjo, uma Aceleradora ou um Fundo, está investimento no Estúdio de Games através da aquisição de participação societária (equity) com o objetivo de lucrar com a venda (exit) dessa participação no futuro com um valuation (avaliação da empresa) multiplicado por várias vezes o valor investido.

Em geral, o investidor pode ganhar de duas formas: (i) vendendo a sua participação para outro investidor; ou (ii) se o Estúdio de Games for adquirido por outra empresa em uma operação de M&A. Em outras situações, também pode ser interessante para o investidor converter a sua participação e se tornar sócio formalmente. Essa última situação ocorre quando o investidor tem interesse estratégico na Startup e não é necessariamente um investidor profissional que tem como objetivo lucrar com a venda da sua participação.

Como exemplo, temos a aquisição do estúdio brasileiro Aquiris pela Epic Games, dona do Fortnite.5 A Aquiris havia sido investida em uma fase early stage pela CRP, fundo de investimento em Venture Capital. Posteriormente, quando a Aquiris foi vendida, o fundo teve a oportunidade de recuperar o investimento através dessa venda.

 

  • Como ocorre essa modalidade de investimento na prática?

 

O investimento em Estúdios de Games proveniente de Venture Capital possui o mesmo racional do investimento em Startups. Em fases early stage até fases Seed (conhecimento como capital semente), o mercado utiliza o Contrato de Mútuo Conversível.

É através deste Contrato, de Mútuo Conversível, que o investidor inicia sua relação com o Estúdio de Games e/ou Startup, mediante o empréstimo de dinheiro (mútuo). Ele também tem a opção de converter este empréstimo em participação societária (equity) mediante o preenchimento de algumas condições, tais como a transformação da investida em uma Sociedade Anônima e o atingimento de data de vencimento para conversão.

 

  • Principais Cláusulas do Contrato de Investimento (Mútuo Conversível)

 

Ainda que o Marco Legal das Startups tenha trazido uma série de possibilidades contratuais no seu art. 5º, § 1º, o Contrato de Mútuo Conversível é o modelo contratual mais utilizado no ecossistema de startups brasileiro, sendo, inclusive, o modelo mais adequado para o Estúdio de Games que deseja participar de uma rodada de investimento de Venture Capital.

O Contrato de Mútuo Conversível possui algumas questões muito importantes que serão referidas abaixo:

  1. Valuation – rodada precificada ou não com desconto (Valuation Pre Money ou Post Money);
  2. Transformação em S.A. e Conversão da Participação Societária – será estipulado no contrato algumas situações em que o investidor pode optar por converter o mútuo em participação na sociedade após a transformação do tipo societário do Estúdio (de LTDA para S/A, por exemplo);
  3. Cláusula de Anti Diluição – a fim de assegurar que o investidor não tenha sua participação na empresa diluída em decorrência de aumentos subsequentes de capital que sejam menores do que os inicialmente realizados;
  4. Direito de Veto/Voto Afirmativo do Investidor6 – prerrogativas conferidas aos investidores que lhes permitem manifestar a sua vontade em determinadas deliberações daquele Estúdio;
  5. Com ou sem solidariedade sócios na devolução do investimento;
  6. Novas rodadas e Direito de Preferência – direito do investidor de participar de outras rodadas de investimento para manter a sua participação societária;
  7. Down Round – rodada de investimento na qual o valuation é menor que o da rodada anterior, podendo levar a revisar as projeções de rendimento feitas pelos fundos de Venture Capital;
  8. Drag along – proteção aos acionistas majoritários para obrigar o investidor a vender em conjunto a sua participação;
  9. Acordo de Sócios ou direitos após a conversão – importante instrumento para que sejam devidamente acordados e regulamentados, a fim de estabelecer uma conexão sólida entre a sociedade, os sócios e o investidor;
  10. Com ou sem lock up para os fundadores – objetivo de evitar que os sócios fundadores se retirem do Estúdio durante determinado período ou até que a empresa atinja uma meta pré definida;

Considerando a complexidade desse tipo de contrato, é muito importante ressaltar que a participação de um advogado é fundamental para que o Estúdio tenha segurança ao longo de toda a estruturação da rodada de investimento e evite surpresas desagradáveis no futuro.

 

  1. INVESTIMENTO EM PROPRIEDADE INTELECTUAL

 

Outra forma de investimento para Estúdios de Games é através da captação de recursos para um projeto específico. Nesse formato, na maioria das vezes, não há entrega de participação societária, havendo apenas divisão sobre as receitas  geradas com a comercialização do game (conhecida como revenue share).

Esse formato ocorre de várias formas e o modelo mais comum é quando uma publisher (publicadora de jogos eletrônicos) investe em um determinado game alocando recursos para o seu desenvolvimento ou para a aquisição de usuários (user acquisition). Nesse cenário, se o papel da publisher é de uma investidora, a propriedade intelectual continua sendo do Estúdio que desenvolveu o game. Porém, em alguns casos, a publisher contrata um Estúdio para desenvolver o seu projeto e, assim, será dela a titularidade já que pagou pelo desenvolvimento do game.

Com relação às cláusulas mais importantes nesse formato de investimento estão:

  1. Destinação dos recursos e forma de desembolso do investimento;
  2. Divisão de Receitas (Revenue Share, Gross Revenue, Net Revenue, Profit Share, etc);
  3. Possibilidade de o investidor ter direito a Recoup;
  4. Quem será o responsável pelo Marketing e se haverá investimento em User Acquisition;
  5. Reporting sobre os resultados e forma de pagamento;
  6. Titularidade da Propriedade Intelectual;
  7. Não concorrência;
  8. Causas de extinção do contrato;

 

  1. INVESTIMENTO HÍBRIDO: EQUITY + PARTICIPAÇÃO NO RESULTADO DO GAME

 

Um terceiro formato que cresceu bastante nos últimos anos é um modelo híbrido entre aquisição de participação societária e a divisão de receitas.

Nesse tipo de investimento, o investidor adquire uma participação societária (equity) menor e também recebe participação nos resultados através de Revenue Share e/ou Recoup de parte do investimento.

Então, por exemplo, ao invés da participação ser de 10% (como no modelo Venture Capital), neste formato, a participação será menor, como por exemplo de 5%, todavia ele receberá ainda o Recoup sobre parte do investimento ou Revenue Share sobre o resultado do game. Sendo assim, uma mescla dos modelos citados acima.

É importante lembrar que o equity envolve participação societária do Estúdio como um todo, a não ser que ele crie um novo CNPJ (spin off) para um projeto específico. Nessa modalidade de investimento, o investidor poderá virar sócio do Estúdio e terá muito mais ingerência sobre o dia a dia.

Já no modelo de investimento em Propriedade Intelectual, o Revenue Share envolve a participação nos resultados do Game específico pelo qual o projeto foi captado e não sobre todas as receitas do Studio (salvo se assim for combinado). Nessa modalidade, o investidor não exercerá o papel de sócio no futuro e nem terá ingerência sobre o dia a dia da operação.

Ressaltamos a importância da participação de um advogado especialista em Games para acompanhamento destes negócios jurídicos. É essencial que o Estúdio tenha segurança ao longo de toda a estruturação da rodada de investimento e evite surpresas desagradáveis no futuro.

 

Confira também:

https://caputoadvogados.com.br/principais-cuidados-juridicos-na-relacao-entre-desenvolvedores-de-games-developers-e-distribuidoras-publicadoras-publishers/

https://caputoadvogados.com.br/a-importancia-da-assessoria-juridica-para-studios-de-games/

 


 

*Alexandre Caputo – Advogado, sócio do escritório Caputo Advogados; Atualmente, cursa MBA em Venture Capital, Private Equity e Investimento em Startups pela FGV/SP, Pós-graduando em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Diretor na Associação Gaúcha de Startups (AGS); Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores tais como Inovativa, ABStartups, InoveNow, entre outros. Atua na área empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games.

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*Nathally Reis – Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS); atuação em projetos no Tecnopuc Startups, como o Startup Garage e TecnopucLaw, iniciativa da escola de Direito para auxílio às empreendedores do Tecnopuc nas suas questões jurídicas. Atualmente, advogada no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games.

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1Redação Olist. Mercado de Games no Brasil em 2023: números e tendências do setor. Olist, 2023. Disponível em: https://olist.com/blog/pt/como-vender-mais/inteligencia-competitiva/mercado-de-games-no-brasil/. Acesso em 25 de setembro de 2023.

2Pacete, Luiz Gustavo. Brasil é eleito um dos principais players no desenvolvimento de games. Forbes, 2023. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/05/brasil-e-eleito-como-um-dos-principais-players-no-desenvolvimento-de-games/. Acesso em 25 de setembro de 2023.

3Jobim, Caio. Mercado brasileiro de games movimenta R$ 12 bilhões ao ano e mira expansão com criptogames e metaverso. Cointelegraph, 2022. Disponível em: https://br.cointelegraph.com/news/brazilian-game-market-moves-us-12-billion-a-year-and-aims-to-expand-in-the-metaverse-and-blockchain-games. Acesso em 25 de setembro de 2023.

4Totilo, Stephen. Investment in gaming swelled in 2022. Axios, 2023. Disponível em: https://www.axios.com/2023/01/18/investment-in-gaming-swelled-in-2022. Acesso em 25 de setembro de 2023.

5Pacete, Luiz Gustavo. Dona do Fortnite passa a atuar no Brasil com aquisição da Aquiris. Forbes, 2023. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/04/estudio-brasileiro-amplia-parceria-com-dona-do-fortnite-e-da-origem-a-epic-games-brasil/. Acesso em 25 de setembro de 2023.

6Você pode conferir mais sobre esse tema no nosso artigo: https://caputoadvogados.com.br/direito-de-veto-e-voto-afirmativo/

 

 

 

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