Memorando de Entendimentos: entenda o que é e para que serve

 

*Alexandre Caputo e Rafael Duarte

 

Em artigo anterior abordamos o tema da importância da Assessoria Jurídica para Startups.Hoje iremos escrever sobre a importância de os futuros sócios fazerem um contrato de intenções antes mesmo de constituírem a empresa. Esse documento chama-se Memorando de Entendimentos.

O que é isso? É um contrato assinado entre os empreendedores contendo as diretrizes principais do negócio, os direitos e obrigações de cada futuro integrante e o esboço dos objetivos da empresa. Ou seja, o Memorando de Entendimentos é o documento de consolidação da primeira fase, de pré-formação da Startup, em que as partes decidem como serão tomadas as decisões até a formalização do negócio.1

Dessa forma, o Memorando de Entendimentos não se confunde com o Acordo entre Sócios e nem com o Contrato Social, tendo em vista que é utilizado antes de haver uma empresa constituída formalmente. Além disso, em geral, o contrato social e o acordo entre sócios possuirão mais complexidade, tendo em vista que serão contratos definitivos.

Mesmo que a Startup ainda não seja uma empresa constituída é importante que os futuros sócios tomem alguns cuidados, por essa razão o principal objetivo desse documento é proteger os empreendedores e traçar os rumos do negócio. É simples: apesar de a euforia inerente ao início de um projeto seja compreensível, ela não pode cegar os envolvidos ao ponto de ignorarem a adoção das necessárias cautelas.

1) O que deve, então, constar no Memorando de Entendimentos?
1.1) Quem serão os sócios fundadores e o percentual de cada um deles:
No início, é comum a Startup trocar serviços (programação, marketing, etc) por um percentual da empresa. Por essa razão, é fundamental que a definição sobre os futuros sócios seja determinada desde o início para que não haja discórdias no momento de constituição da empresa.

1.2) Objetivos da empresa:
O MoU servirá para descrever nos máximos detalhes possíveis o futuro negócio a ser desenvolvido, contendo projeto de negócios, produto ou serviço a serem criados.

1.3) Estabelecer a função, direitos e as obrigações de cada sócio:
Quando a Startup é desenvolvida por um grupo de pessoas, é comum que cada um tenha uma especialidade ou contribuição. Por exemplo, um é programador, outro é da área de Marketing e o terceiro da área de finanças. Dessa forma, definir desde o início o que cada sócio irá fazer, seus direitos e obrigações, é crucial para a gestão do negócio, no qual cada um sabe a importância do seu papel no crescimento da futura empresa.

1.4) Determinar direitos dos futuros sócios no caso de desistirem do projeto:
É muito comum que, no início, a equipe seja alterada, ainda mais quando a hipótese inicial demora para conseguir ser validada e a Startup demora para lançar o produto mínimo viável no mercado. Com isso, é importante que cada integrante da equipe saiba exatamente quais serão os seus direitos ao desistir do projeto e, especialmente, os mecanismos de proteção para os demais que seguirem dedicando tempo e esforço intelectual na concreção da ideia.

1.5) Como serão tomadas as decisões:
É importante pensar desde o início quem será o gestor e o administrador da futura empresa. Como as decisões serão tomadas? Maioria simples dos empreendedores? Ou em conformidade com o percentual de suas cotas? Mesmo que ainda não exista a empresa, ter a previdência de já discutir essas questões evitará discussões desnecessárias no futuro.

2) Pontos sensíveis e cuja omissão pode gerar futuros conflitos:
2.1) Confidencialidade, Não Concorrência, Não Aliciamento e Propriedade Intelectual (ex.: Registro da Marca):
Inicialmente, esses pontos são bastante polêmicos, tendo em vista que estão sendo discutidas cláusulas vinculantes antes mesmo da constituição da empresa e que impactarão fortemente nas obrigações assumidas pelos sócios. Como são questões podem gerar efeitos sérios para o (in)sucesso da Startup, postergar a reflexão sobre como tais pontos serão regulados poderá travar a futura formalização ou servir de nascedouro de conflitos intransponíveis.

Um exemplo muito relevante é a existência das obrigações conjuntas de confidencialidade e de respeito à propriedade intelectual, impostas aos desenvolvedores do projeto. Nesse sentido, nossa experiência demonstra que mais importante do que proteger a ideia, é fundamental proteger o projeto em si, tal como a programação e o código fonte que está sendo desenvolvido. O mercado é extremamente competitivo, de modo que aquele que primeiro apresentar uma tecnologia até então inédita “tende a se beneficiar da situação e garantir certa reserva de mercado até que venha o primeiro concorrente.”2

Considerando que, em se tratando de empresas de base tecnológica, a titularidade de ativos intangíveis – notadamente as criações intelectuais – representa o seu principal ativo, o memorando de entendimentos deverá ser elaborado de modo claro a regular a cessão do direito de exploração econômica das criações feitas pelos futuros sócios em favor da futura sociedade. Sua futura saída, caso isso seja feito, não terá o condão de prejudicar a continuidade das atividades.

Outra providência crucial é a exigência de que os programadores assinem cláusulas de não concorrência e de não aliciamento, de modo a prever que, ao saírem do projeto, não terão o direito de pura e simplesmente desenvolverem projetos concorrentes e que possa tirar do mercado a startup.

Ainda, cabe referir que, numa fase pré-constituição, pode parecer algo distante o registro da e/ou do software em desenvolvimento. Porém, assim que a Startup sair do papel e for constituída, é relevante registrar a Marca. A marca é o cartão de visitas da empresa e qualquer pessoa pode registrar esse nome no INPI. São inúmeros os casos em que projetos precisam ser abandonados no meio pelo simples fato de não ter sido adotada essa proteção inicial, uma vez que a marca já fora registrada por terceiro. Imagine, então, todo trabalho que daria criar uma empresa e ter que mudar tudo porque o nome foi registrado por outra pessoa.

Por fim, quanto ao registro do software, o melhor momento para registrar o código fonte é na validação da hipótese, tendo em vista que a partir da validação, já há um produto mínimo viável sendo testado no mercado.

3) Esse documento possui validade jurídica?
A resposta é bastante direta, amparada no que dispõe o art. 462 do Código Civil, o qual preceitua que contrato preliminar há de conter a base objetiva para o negócio definitivo futuro (excetuando-se a forma):
“Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.”

Isso faz com que haja inegável qualificação do memorando de entendimentos como um contrato preliminar; ou seja, trata-se de, simplesmente, uma espécie de contrato preliminar.
Esclarecida sua incontroversa validade jurídica, caso o instrumento seja elaborado corretamente, o Memorando irá vincular as partes, ou seja, os futuros sócios, para todos os fins de direito. Obviamente, como a empresa ainda não está constituída, o documento não vincula terceiros estranhos ao negócio.

4) O Memorando de Entendimentos é, então, importante? Se sim, por quê?
Vamos responder essa dúvida, deixando algumas questões para reflexão:
– Quem criou a ideia?
– Quem colocou dinheiro para o desenvolvimento do negócio?
– uem desenvolveu o software/produto?
– Quem contribui por mais tempo e deveria deter um percentual maior da futura empresa?
– Alguém possui dedicação exclusiva ou é fundamental para o andamento do projeto?

Essas questões servem de resposta para explicitar a importância do MoU por um elemento muito simples: a ausência deste documento fará com que todos esses pontos não sejam regulados pelos futuros sócios e, sem regulação, eventual divergência poderá ocasionar o fim precoce da startup. A prevenção é o segredo de uma trajetória seguro e de sucesso.

Apenas para se dar dois exemplos reais da relevância do Memorando de Entendimentos, pode-se mencionar os casos do Facebook e do McDonald’s.3 No caso do Facebook, a ausência de um MoU regulando a relação entre os irmãos Winklevoss e Mark Zuckerberg gerou uma contenda muito significativa e parcialmente narrada no filme “A Rede Social”. Quanto ao McDonald’s, algo similar foi relatado no filme “Fome de Poder”, em virtude das contendas entre os irmãos Richard e Maurice McDonald de um lado e, de outro, o representante comercial Ray Kroc tomou conhecimento da existência do McDonald’s, ocasião em que se ofereceu para representar a marca.

Todos esses fatores reforçam a importância da consultoria jurídica especializada em startups e societário, para o fim de que os sócios antecipem o máximo de temas sensíveis e potencialmente polêmicos, para não deixar para resolver isso depois de dedicarem tempo e dinheiro para concretizar a ideia. A cautela sempre fará a diferença a favor dos sócios, podendo agir de modo transparente e com prevenção.

Para maiores informações sobre Direito Societário e Startups, acompanhe nossas postagens e aguardamos comentários e dúvidas!

 


 

*Alexandre Caputo, Advogado OAB/RS 93.651, sócio do escritório Caputo Advogados; MBA em Venture Capital, Private Equity e Investimento em Startups pela FGV/SP, Pós-graduado em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Vice Presidente na Associação Gaúcha de Startups (AGS) – 2023/2025; Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores tais como Inovativa, ABStartups, Inovenow, UFRGS, Tecnopuc, Atrion Moinhos, entre outros. Atua na área empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games. 

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*Rafael Duarte – Advogado, sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Startups, Estúdios de Games e Empresas de Base Tecnológica. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como InovAtiva Brasil, START (SEBRAE), entre outros; Diretor da Associação Gaúcha de Direito Imobiliário Empresarial (AGADIE); Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS e Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.

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1 “O Memorando de Entendimento (ME), Memorandum of Understanding (MOU) ou Acordo de Pré-constituição (pre-incorporation agreement) consiste em um contrato preliminar, ou seja, é elaborado e utilizado para reger a relação entre futuros sócios de uma startup, em momento anterior à constituição formal da sociedade.” (COMEGNO, Gabriel Magalhães. A utilização do Memorando de Entendimento como instrumento de proteção para startups. Migalhas, 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/338816/a-utilizacao-do-memorando-de-entendimento-como-instrumento-de-protecao-para-startups. Acesso em: 28 set. 2022).

2 POR que as startups devem se atentar às regras de confidencialidade e não concorrência? Opice Blum, 2020. Disponível em: https://opiceblum.com.br/startups/por-que-as-startups-devem-se-atentar-as-regras-de-confidencialidade-e-nao-concorrencia/. Acesso em: 28 set. 2022.

3 FEITOSA, Marilza Tânia Ponte Muniz. O que é um memorando de entendimentos (MoU)? Quando sua startup precisa fazer? Consultor Jurídico, 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-set-01/muniz-feitosa-memorando-entendimentos. Acesso em: 28 set. 2022.

 

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