Vesting: Opção de Aquisição de Participação Societária

Por Alexandre Caputo, Nathally Reis e Rafael Duarte*

 

Tem se mostrado cada vez mais comum, no ecossistema de inovação, a utilização, por parte de seus sócios, de contratos de opção de aquisição de participação societária.

Nesse cenário, tanto os planos de Stock Options, quanto Contratos de opção de compra de quotas/ações ou de subscrição de novas quotas/ações de sociedades limitadas ou sociedades anônimas de capital fechado são utilizados como forma de atrair e manter excelentes talentos nas sociedades. 

Isto é, a estruturação do benefício concedido ao colaborador poderá se dar por uma de duas formas: i) mediante a aquisição onerosa das quotas/ações (que serão vendidas pela sociedade ou por seus sócios); ou ii) mediante a subscrição de novas ações/quotas, com aumento de capital proporcional à participação a ser endereçada ao colaborador.

É interessante esclarecer que, no modelo tradicional americano adaptado à realidade jurídica brasileira, o termo Vesting refere-se a uma cláusula dentro do Plano de Stock Options e significa o momento no qual o adquirente recebe o direito de exercer a opção de compra (Período de Vesting). 

Dessa forma, o Vesting constitui o período aquisitivo, após o período de carência (Cliff), no qual o adquirente passará a ter o direito de adquirir as cotas, após o atingimento de metas ou prazos. Esse período pode ser dividido em lotes a serem exercidos à medida que o prazo e/ou as metas forem atingidos.

Em outras palavras, para poder exercer o direito de obtenção das cotas (de uma Sociedade Limitada) ou ações (de uma Sociedade Anônima), o beneficiário precisa cumprir algumas condições pré-estabelecidas de carência, com a inclusão ou não de metas de desempenho. Este conceito é chamado de vesting.

 

FUNCIONALIDADES E CARACTERÍSTICAS DO VESTING

Em empreendimentos ainda incipientes, como as startups, que geralmente iniciam suas atividades utilizando recursos próprios até receberem investimentos, conforme a lógica de bootstrapping — condução dos negócios com capital próprio —, adotado por grande parte dessas empresas, o mecanismo contratual de vesting é de extrema importância para atrair e manter talentos nesse momento crucial ainda bastante introdutório.

O que move o colaborador a ajustar um vesting é a perspectiva de trabalhar na empresa, fomentando o seu crescimento e, então, tornar-se futuramente sócio dessa empresa com desempenho diferenciado. Nessa relação, esse colaborador não busca a execução do trabalho visando um relacionamento formal empregatício, mas sim uma relação com a construção de vínculos societários com os demais sócios da empresa. 

Nesse caso, o contrato de vesting é utilizado para a aquisição progressiva de direitos societários na empresa; assim, a transferência desses direitos se dá por um plano de Incentivo de Longo Prazo (ILP). Nesse sentido, geralmente, o prazo varia entre 1 (um) e 4 (quatro) anos para que a aquisição da participação se complete. O beneficiário terá direito à referida participação combinada após o decurso desse período, denominado ‘período de vesting’.

Além do período de tempo de permanência do colaborador, a consolidação da participação no quadro societário também pode se dar pelo atingimento de metas específicas, sempre de acordo com os parâmetros já estabelecidos no contrato.

Alinhar os interesses entre os sócios e obter confiança nos parceiros não são tarefas simples, tendo em vista os riscos que uma startup ocorre em decorrência do seu futuro incerto. No entanto, o contrato de vesting pode ser um valioso instrumento para estabelecer esse compromisso a longo prazo.

Esse contrato de aquisição de participação societária pode ser utilizado para funcionários, prestadores de serviços ou cargos estratégicos e determinado de forma fracionada e progressiva, à medida que o adquirente atender alguns requisitos estabelecidos no contrato.

Com relação ao Vesting, é comum haver as seguintes características, apesar da sua grande diversidade de cláusulas:

  1. Cliff (Carência) – Prazo mínimo para iniciar a aquisição do direito de exercer o direito de compra/subscrição das ações/cotas. De forma simples, seria o equivalente ao período de teste para validar se o adquirente faz jus, efetivamente, a exercer a opção. Ou seja, após o período mínimo de 1 (um) a 2 (dois) anos, o profissional estará apto a exercer a compra das cotas (período de Vesting);
  2. Período de Vesting Período após concluída a carência, no qual o adquirente terá um prazo determinado para adquirir as cotas ou ações da empresa.  
  3. Preço da aquisição – ​​A opção de obtenção de participação societária será exercida por um preço predeterminado, no qual já deverá constar no contrato ou poderá, ainda, ser determinado um valor conforme critérios predefinidos, a exemplo do valuation (avaliação do valor da empresa), passível de se dar com base em metodologias diferentes;
  4. Milestones (marco de referência para as aquisições) – São os eventos futuros que irão acionar o direito à aquisição das cotas. Ou seja, normalmente a aquisição é dividida em marcos atingidos após determinado prazo e metas de produtividade. Por exemplo: num contrato com promessa de aquisição de 6% de equity ao final de 3 (três) anos, ao final do primeiro ano, se o funcionário atingir todas as metas, ele poderá adquirir 2% das cotas. No segundo ano, se, novamente atingir as metas, terá o direito de adquirir mais 2%, e o mesmo no terceiro ano, caso em que terá adquirido todo o percentual estipulado;
  5. Percentual máximo que será adquirido – Da mesma forma que será predeterminado um preço para a opção, deverá ser estabelecido um percentual máximo a ser adquirido pelo futuro sócio;
  6. Hipóteses de resolução – É fundamental determinar com precisão quais são as hipóteses de perda do direito de aquisição das cotas e/ou recompra das cotas pela sociedade. Por exemplo: se o funcionário for demitido antes de completar o prazo de carência, perderá o direito de adquirir as cotas. Ou, se não quiser mais fazer parte da sociedade, deverá vender as cotas por um preço determinado à própria empresa.
  7. Lock up – determina o tempo em que os sócios não podem vender sua participação, impedindo que alienem ou transfiram suas participações a terceiros ou outros sócios durante determinado período.
  8. Cláusulas de Não concorrência e Confidencialidade – A primeira é de suma importância para a startup, tendo em vista que protege de potencial concorrência interna e desleal; a segunda tutela a eventual revelação de informações confidenciais a que a parte terá acesso, preservando a empresa.
  9. Resolução Contratual – É possível que o vínculo societário se rompa antes do cumprimento das condições que foram estabelecidas previamente. Nesses casos, normalmente, apura-se o quanto já foi cumprido do contrato até aquele momento pelo empreendedor, com a participação societária proporcional ao tempo em que atuou na sociedade.

 

CUIDADOS

Sempre é importante relembrar que o Código Civil veda a troca de cotas da empresa pela prestação de serviços, conforme o artigo 1.055, § 2º:

Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.

  • 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços.

Assim, é importante reforçar a necessidade de se elaborar um contrato bem estruturado, considerando que as cotas devem ser vendidas para o potencial adquirente.

Ainda, no ordenamento jurídico brasileiro, não há disciplina ou regramento específico para esse instrumento contratual do vesting. Dessa forma, pode ser classificado como um contrato atípico conforme previsto no artigo 425 do Código Civil.

Verificou-se que o contrato de vesting pode ser um importante instrumento de desenvolvimento de negócios em estágio inicial (early stage), como as startups, tendo em vista que nesse caso existe a possibilidade de essas empresas reterem talentos importantes para o seu crescimento, sem a contratação de trabalho com vínculo de emprego. 

No caso do contrato com cláusula de vesting, por tratar-se da figura de futuro sócio, a caracterização dos requisitos estabelecidos pela CLT pode restar prejudicada em função do modo de funcionamento e natureza jurídica serem distintos, especialmente pelo fato de que o colaborador e futuro participante do quadro societário da startup – se confirmadas as condições convencionadas – adquirirá participação societária.

Assim, é fundamental haver um cuidado redobrado com as questões trabalhistas, tendo em vista que, após a aquisição da participação societária, o colaborador irá ingressar no contrato social e não poderá ser tratado como funcionário ou prestador de serviços, exercendo os mesmos direitos dos demais sócios.

 


1“Fazer bootstrapping significa começar um negócio a partir de recursos limitados, sem o apoio de investidores. Ou seja, nessa forma de iniciar startups, o empreendedor geralmente utiliza recursos próprios para lançar o negócio sem o apoio de fundos de investimento”. Associação Brasileira de Startups. Disponível em https://abstartups.com.br/o-que-e-bootstrapping-e-como-fazer/. Acesso em 16 de fevereiro de 2023.

2REIS, Tiago. VESTING: ENTENDA COMO FUNCIONA ESSE TIPO DE CONTRATO SOCIETÁRIO. SUNO, 2019. Disponível em: https://www.suno.com.br/artigos/vesting/. Acesso em 16 de fevereiro de 2023.

3LUPION, Ricardo. REIS, Nathally. O CONTRATO DE VESTING COMO FERRAMENTA PARA O EMPREENDEDORISMO: ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 8 (2022), n.º 5, 2022. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/5/2022_05_1083_1108.pdf. Acesso em 16 de fevereiro de 2023.

4FRANCO, Luisa. RUARO, Marcela. O CONTRATO DE VESTING NO DIREITO BRASILEIRO, 2021. Disponível em: https://direitosocietarioufpr.wordpress.com/2021/08/30/o-contrato-de-vesting-no-direito-brasileiro/. Acesso em 16 de fevereiro de 2023.

5“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.” (BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 16 de fevereiro de 2023).

6LUPION, Ricardo. REIS, Nathally. O CONTRATO DE VESTING COMO FERRAMENTA PARA O EMPREENDEDORISMO: ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 8 (2022), n.º 5, 2022. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/5/2022_05_1083_1108.pdf. Acesso em 16 de fevereiro de 2023.

 


*Alexandre Caputo, OAB/RS 93.651, sócio do escritório Caputo Advogados; MBA em andamento em Venture Capital, Private Equity e Investimentos em Startups pela FGV; Pós-graduado em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Pós-graduado em Direito Público pelo IDC; Diretor de investimentos na Associação Gaúcha de Startups (AGS); Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores. 

*Nathally Reis, estudante da Escola de Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e bolsista de Iniciação Científica no Tecnopuc Startups, com atuação em projetos como o Startup Garage, no desenvolvimento do programa e na mentoria de startups, e no TecnopucLaw, iniciativa da escola de Direito para auxílio às empreendedores do Tecnopuc nas suas questões jurídicas. Atualmente, estagiária no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial especializada em startups e estúdios de games.

*Rafael Duarte, Advogado, sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Startups, Studios de Games e Empresas de Base Tecnológica. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP: Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como InovAtiva Brasil, START (SEBRAE), entre outros; Diretor da Associação Gaúcha de Direito Imobiliário Empresarial (ACADIE); Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS e Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.

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