Principais Tipos de Contratos de Investimento

Por Alexandre Caputo e Rafael Duarte*

 

O investimento em Startups no Brasil começou a ganhar relevância em meados dos anos 2000, por iniciativa de empresários que investiam em negócios visando a obter lucro com a participação nos resultados ou com uma futura venda da empresa. Ao longo dos anos subsequentes, o investimento anjo foi se profissionalizando após surgirem os primeiros grupos de anjos; para se ter uma ideia, a Anjos do Brasil surgiu apenas em 20111

Logicamente, apesar de inexistir previsão legal expressa de contratos de investimento para startups, o mercado se adaptou às necessidades e utilizou contratos atípicos para formalizar as relações contratuais entre startups e investidores, com base na possibilidade oferecida pelo art. 425 do Código Civil à atipicidade contratual2.

Apenas em 2016, todavia, o Brasil passou a regular expressamente o contrato de investimento em Startups, criando o que se chamou de “Contrato de Participação”3. Porém, por conta do seu maior engessamento, com regras muito rígidas4, o ecossistema de Startups não recebeu essa espécie contratual com bons olhos e seguiu, ao longo de mais de 20 (vinte) anos, utilizando o já conhecido Mútuo Conversível em Participação Societária. Assim, não obstante o ordenamento já preveja um contrato de investimento específico para Startups regulado por lei desde 2016, a modalidade segue sendo infimamente usada.

Com a entrada em vigor do Marco Legal das Startups5, houve a regulação de outros tipos contratuais, aumentando a proteção ao investidor. Abaixo, segue a abordagem de alguns tipos contratuais trazidos pelo Marco Legal: 

  • Contrato de mútuo conversível em participação societária ou Nota Conversível

O contrato de mútuo é a modalidade mais utilizada pelos Anjos e pelas Aceleradoras. Já a Nota Conversível6 é mais utilizada pelas Plataformas de Equity Crowdfunding. Na prática, contudo, não há diferenças entre os dois tipos contratuais, a não ser o fato de que as Plataformas de Equity Crowdfunding são reguladas pela CVM e realizam a intermediação de captação de recursos através de ofertas públicas, o que, diante do maior controle pela autarquia, atenua a liberdade em suas disposições.

Ambos os contratos foram inspirados em dois modelos, um importado dos Estados Unidos – as Convertible Notes – , e outro utilizado no Brasil, pelas Sociedades Anônimas – as Debêntures Conversíveis. 

O mútuo conversível é a união de duas situações: um empréstimo (regulado pelo artigo 586 do Código Civil) – por meio do qual alguém empresta a outrem coisa fungível -, cumulado com a possibilidade de conversão dessa dívida em participação societária

Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.

Tem-se, assim, o surgimento de uma obrigação alternativa (art. 252 do Código Civil7), em que a escolha efetiva da contraprestação – devolução do empréstimo, acrescido de juros e correção, ou conversão do crédito em participação societária – cabe ao credor mutuante.

Ambos os contratos foram adaptados para serem utilizados pelo ecossistema das Startups com algumas características importantes: o investidor empresta dinheiro à Startup e opta por receber de volta o valor investido com juros e correções ou pode converter a dívida em participação societária (equity) no futuro, desde que atendidos alguns pré-requisitos, tais como a Investida ser transformada em Sociedade Anônima, prazo, metas de crescimento ou ocorrer uma nova rodada de investimento qualificada ou que imponha, como pré requisito, sua transformação em S.A.

Ao optar por esse tipo de contrato, o investidor não participa do risco do negócio; ou seja, enquanto não exercer a opção de converter o mútuo e virar sócio, ele não responde por eventuais dívidas da empresa, mesmo no caso de desconsideração da personalidade jurídica da empresa através da execução do patrimônio dos sócios8. Isso lhe é assegurado como decorrência do fato de que, num primeiro momento, ostenta a condição de puro e simples credor da sociedade investida, e não de sócio.

Ambos os contratos também estabelecem uma série de regras, tais como obrigações anteriores à conversão das quotas em ações, dedicação e prazo mínimo de permanência dos fundadores, prazo de investimento, regras para transformação da empresa em sociedade anônima etc. Além disso, os contratos podem ser mais ou menos restritivos para proteger o investidor, tendo, por exemplo, cláusulas dando o direito de vetar alguma decisão ou exigindo a necessidade de voto afirmativo do investidor para que determinada decisão pode ser aprovada. Há também regras pós conversão, tais como assinatura de Acordo de Cotistas, criação de conselho de administração no futuro, entre outras. Em regra, a liberdade e a criatividade das partes tendem a prosperar.

É relevante salientar que, tanto a Nota Conversível quanto o Mútuo Conversível são contratos que estabelecem uma dívida. No vencimento do contrato ou quando atingidos os requisitos contratuais, o investidor decidirá se irá receber de volta o valor corrigido ou se irá converter em participação societária. Por isso, é fundamental que a Startups solicite um prazo razoável (por exemplo, em 36, 48, 60 meses) para a devolução e não aceite que o mútuo seja devolvido em parcela única, pois isso poderá comprometer o fluxo de caixa da Startup.

  • Contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa e Contrato de opção de compra de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa

Um pouco diferente do contrato de mútuo, no qual o aporte é realizado na assinatura do contrato, no contrato de opção, o investidor adquire o direito, mas não a obrigação, de, no futuro, subscrever quotas ou ações a serem emitidas pela Startup ou comprar quotas ou ações de titularidade dos fundadores, por um valor determinado e fazer o dispêndio no momento do exercício da opção.

A diferença entre os dois tipos de contrato é que, na primeira opção (subscrição), a Startup emitirá novas quotas ou ações através de aumento do capital social. Nesse modelo, o investimento vai para a sociedade (investimento primário ou cash-in). Já no segundo formato (compra), o investidor adquire o direito de comprar participação de um ou mais sócios. Com isso, o sócio é quem está vendendo a participação e o dinheiro vai para ele, e não para a empresa (investimento secundário ou cash-out). 

Essa situação é mais comum quando um fundo de investimento faz o que é chamado de “limpeza do captable”, em que parte do aporte realizado destina-se à Startup (cash-in) e outra parte é usada para adquirir a participação, total ou parcial, de stakeholders anteriores (cash-out).

Dessa forma, o preço já estará estabelecido no presente, independentemente das alterações do capital social ou mudança no valuation da empresa ao longo dos anos até o efetivo exercício da opção.

No contrato poderão ser estabelecidas as mesmas regras encontradas no Mútuo Conversível, tais como preço, tempo para realização do exercício, obrigações dos sócios, mecanismos de controle do investidor para garantir uma boa gestão por parte dos fundadores, etc.

A grande diferença para o mútuo conversível é que o contrato de Opção não prevê a existência de um mútuo ou dívida. Ou seja, o investimento só será realizado no futuro se o investidor decidir converter sua opção em participação, mas sem que isso configure eventualmente um passivo da investida, o que tem reflexos contábeis e de governança relevantes.

De certa forma, o mútuo conversível está muito próximo da Opção de subscrição através da conversão do mútuo com a emissão de novas ações. Dessa forma, não são contratos muito utilizados nas primeiras rodadas de investimento. 

  • Contrato de Participação ou Parceria

Baseado na Lei Complementar 155 de 2016, a qual alterou dispositivos da Lei Complementar 123/2006 (Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), surgiu com o objetivo de regulamentar o investimento em micro e pequenas empresas com o intuito de fomentar a tecnologia e inovação no Brasil. Trata-se de contrato com prazo máximo de 7 anos.

Como exposto no início do post, o contrato de participação praticamente não é utilizado pelo ecossistema das Startups em decorrênci das discussões motivadas por seus dispositivos e o fato de impor regras bastante engessadas e desalinhadas com a realidade do mercado. Atualmente, por comodidade e pela capacidade de adaptação às particularidades de cada negociação, a grande maioria dos investidores segue utilizando o Mútuo Conversível.

Uma possibilidade para os investidores é receberem participação nos resultados ao longo do contrato, antes do exercício da opção de converter o investimento em participação no futuro. Ocorre que esse ponto traz bastante divergência, já que a lei estabelece um “ou”:

Lei Complementar nº 123/2006. Art. 61-A […] § 6º As partes contratantes poderão:        

I – estipular remuneração periódica, ao final de cada período, ao investidor-anjo, conforme contrato de participação; ou

II – prever a possibilidade de conversão do aporte de capital em participação societária.

Isto é, o legislador optou por estabelecer que se abria ao investidor duas possibilidades que não poderiam, contudo, coexistir: ou o investidor recebe remuneração periódica OU opta pela conversão de seu crédito em participação societária.

Além disso, o principal argumento dos investidores para não utilizarem esse tipo contratual é a vedação expressa ao exercício de gerência ou exercício de voto, o que pode reduzir significativamente o acompanhamento do investidor no dia a dia da Startup. Essa proibição vai de encontro ao que é praticado no mercado, uma vez que, como forma de proteção do investimento realizado, é rotineiro inserir nos contratos cláusulas conferindo poder de veto ou voto afirmativo ao investidor, com vistas a evitar gestão incauta por parte dos fundadores.

Importante reforçar que o contrato de participação prevê que o investidor somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido. Novamente, tem-se uma previsão que não se amolda ao que é praticado no mercado, reduzindo, inclusive, a atratividade dos investimentos em startups, o que produz efeito diametralmente oposto ao desejado.

  • Sociedade em conta de participação

A Sociedade em Conta de Participação (SCP) está regulada nos arts. 991 a 995 do Código Civil e é caracterizada por não possuir personalidade jurídica e patrimônio próprios. 

Além disso, seus atos constitutivos não precisam ser registrados na Junta Comercial. A única exigência formal perante autoridades públicas é a sua inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), uma vez que há recolhimento tributário específico para a atividade. Uma das razões para a sua utilização é a simplicidade e também porque, com sua criação, promove-se a proteção da figura do investidor perante terceiros, tendo em vista que apenas o sócio ostensivo negociará com terceiros. 

Nesse tipo de contrato há duas figuras: o Sócio Ostensivo – papel ocupado pela Startup ou por seus fundadores -, e o Sócio Participante ou Oculto – papel este exercido pelo investidor. O Sócio Ostensivo será o único que manterá relações com terceiros e perante estes responderá ilimitadamente, de modo que as obrigações adquiridas pela SCP recairão sobre seus bens pessoais.

Sob uma perspectiva tributária, um fator necessariamente a ser levado em conta na hora da escolha pela SCP ou não é o fato de que a startup que constituir uma SCP com seu investidor não poderá ser optante do regime do Simples Nacional9, o que poderá representar obstáculo prejudicial ao desenvolvimento salutar de seus negócios.

Considerando que o ecossistema de startups é majoritariamente composto por empresas ainda em estágios embrionários – e, portanto, precipuamente aderentes ao Simples Nacional – a opção pela SCP é bem menos usada do que o mútuo/nota conversível. É, contudo, bastante comum em outros segmentos de mercado, como o setor da construção civil, em que, diante dos valores envolvidos e da possibilidade de dedução de despesas como mecanismo de otimização tributária, o regime do Simples Nacional não se apresenta como a melhor opção..

Por fim, constata-se que o ecossistema de Startups está amadurecendo a cada ano, com grande esforço do governo para criar mecanismos mais seguros para fomentar o investimento em capital de risco. Passos importantes foram dados por meio da promulgação da Lei Complementar 155/2016, da Lei da Liberdade Econômica (lei nº 13.874, 2019) e do Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182, de 1º de junho de 2021), conferindo ao mercado importantes instrumentos para consolidação desse importante segmento de mercado.

 


1“Somos uma organização sem fins lucrativos fundada em 2011 por Cassio Spina, que, depois de completar o ciclo do empreendedor (startup, crescimento, aquisições e fusões, aporte de investimentos e venda), passou a apoiar startups na fase de crescimento.” (SOBRE Nós. Anjos do Brasil, 2022. Disponível em: https://www.anjosdobrasil.net/sobre.html#:~:text=Somos%20uma%20organiza%C3%A7%C3%A3o%20sem%20fins,startups%20na%20fase%20de%20crescimento. Acesso em: 11 out. 2022).

2Código Civil. “Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.”

3Lei Complementar nº 155, de 27 de outubro de 2016 que alterou a Lei Complementar nº 123, de 2006.

4“[…] esse contrato tem que respeitar a previsão legal, o que o torna menos atrativo ao investidor se comparado ao mútuo conversível, uma vez que não é possível pactuar livremente determinados assuntos, como o prazo de pagamento e vigência do contrato, além do aspecto tributário.” (PUGA, Bruna Santana. Vantagens e desvantagens do Contrato de Participação. BP Advogados, 2022. Disponível em: https://www.brunapuga.adv.br/post/vantagens-e-desvantagens-do-contrato-de-participacao. Acesso em: 11 out. 2022).

5Lei Complementar nº 182, de 1º de junho de 2021.

6 “Uma nota conversível em ações é um contrato que estipula que o valor que você investiu em uma sociedade limitada poderá ser convertido em ações dessa mesma empresa no momento em que ela se tornar uma sociedade anônima.” (BEGNOCHE, Brian. O que é uma nota conversível em ações? Eqseed, 2020. Disponível em: https://blog.eqseed.com/o-que-e-uma-nota-conversivel-em-acoes/. Acesso em: 11 out. 202).

7Código Civil. Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou.

8Art. 8º O investidor que realizar o aporte de capital a que se refere o art. 5º desta Lei Complementar:

I – não será considerado sócio ou acionista nem possuirá direito a gerência ou a voto na administração da empresa, conforme pactuação contratual;

II – não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, e a ele não se estenderá o disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), no art. 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, nos arts. 124, 134 e 135 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e em outras disposições atinentes à desconsideração da personalidade jurídica existentes na legislação vigente.

9“A Receita Federal já se pronunciou sobre este assunto, por meio da Solução de Consulta nº 10.024/2015, no sentido de que, como o art. 160 do Regulamento do Imposto de Renda equipara as SCP a pessoas jurídicas, as empresas que sejam sócias de SCP não poderão se beneficiar do regime do Simples Nacional.” (EMPRESA do Simples Nacional pode ser sócia de SCP? Ozai, 2020. Disponível em: https://www.ozai.com.br/empresa-do-simples-nacional-pode-ser-socia-de-scp/. Acesso em: 11 out. 2022).

 


*Alexandre Caputo – Advogado, sócio do escritório Caputo Advogados; Cursando MBA em Venture Capital, Private Equity e Investimento em Startups pela FGV/SP, Pós-graduando em Direito Societário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS; Diretor na Associação Gaúcha de Startups (AGS);; Palestrante em direito, tecnologia e inovação; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores tais como Inovativa, ABStartups, Inovenow, entre outros. Atua na área empresarial com ênfase em Startups e Studios de Games. 

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*Rafael Duarte, Sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Empresas de Base Tecnológica e Startups. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como Inovativa Brasil, entre outros; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.

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