Fundos de Investimento em Startups

*Rafael Duarte

 

Os números de investimentos em startups desde 2019 são indicativos do crescimento vultoso observado pelo mercado, tendo partido de US$ 2,9 bilhões em 2019, para US$ 3,5 bilhões em 2020 e, então, quase US$ 10 bilhões em 2021, numa sequência incrível de quebras sucessivas de recordes.1 Esse cenário tem feito especialistas em Venture Capital afirmar que apenas o dinheiro não é mais o suficiente para atrair uma startup promissora a aceitar o aporte de um determinado investidor, como defende José Pedro Cacheado, sócio da Norte Ventures (fundo de Venture Capital), ao sustentar que os “investidores que vão se destacar precisam oferecer algo além do dinheiro”2.

Apesar dos dados de 2022 indicarem uma diminuição sensível em relação ao que foi transacionado em 2021, essa discrepância é plenamente compreensível, já que 2021 “foi de longe o melhor ano para o ecossistema de inovação brasileiro em termos de investimentos.3 Por ter sido, portanto, completamente fora da curva, o mercado passou 2022 adaptando-se a essa nova realidade, mas mantendo-se as dúvidas sobre como as coisas devem se desenvolver em 2023.

Para fins de comparação, é válido trazer uma tabela elaborada pela Distrito, plataforma de inovação, comparando os desempenhos em termos de valores aportados semestralmente em startups brasileiras em 2020, 2021 e 2022:

       Fonte: Distrito4

Considerando que todos esses valores foram aportados em startups ao longo dos últimos anos, este artigo tem como objetivo explicar dois termos muito importantes a esse mundo de investimentos: Venture Capital e Private Equity, abrangendo desde as suas conceituações e incluindo semelhanças, diferenças, vantagens e desvantagens. 

 

O QUE É UMA RODADA DE INVESTIMENTO?

Uma rodada de investimento nada mais é do que um processo a que uma empresa se submete para o fim de captar recursos visando assegurar o seu crescimento contínuo mediante a obtenção de recursos de terceiros.5 É o modelo utilizado pela grande maioria das startups para financiar a sua expansão de negócios. A dinâmica negocial é bastante simples: “investidores oferecem dinheiro em troca de uma participação acionária (equity share) no negócio.6

O investimento em si poderá ser providenciado mediante aporte direto, por meio de cotas em fundo de investimentos ou até recorrendo a plataformas digitais de investimentos alternativos, os chamados crowdfundings. Hoje o foco estará nos investimentos realizados por intermédios de fundos de investimento

 

O QUE SÃO FUNDOS DE INVESTIMENTO?

Os fundos de investimento são uma ficção jurídica voltada ao fim de reunir diversas pessoas interessadas que, apesar de motivadas em realizar determinado investimento, não possuem condições financeiras de fazê-lo sozinhas ou preferem fazê-lo em conjunto, tanto para diluir o risco, quanto para aumentar a sua capacidade de tomar decisões financeiras mais assertivas. 

Eles são juridicamente definidos como “condomínios”, tal como se tem em condomínios residenciais ou comerciais. O fundo recolhe o dinheiro de várias pessoas – denominadas cotistas – e realiza-se a contratação de um terceiro, que ficará responsável por gerenciar todos esses recursos e tomar as melhores decisões na tutela dos interesses desses cotistas – algo semelhante à função endereçada ao síndico. A esse terceiro é dado o nome de gestor do fundo. 

A grande diferença é que, no caso dos fundos – ao contrário do que ocorre em condomínios “comuns” -, há inegável objetivo de lucro. A intenção é indiscutivelmente obter ganhos financeiros e parte significativa da remuneração do gestor é atrelada ao desempenho dos investimentos que ele optar fazer em nome do fundo. Todos os resultados dos investimentos são, então, acumulados e divididos na proporção das cotas titularizadas pelos “condôminos”, chamados de cotistas deste fundo.7

Os fundos, contudo, podem ser tanto de Venture Capital, quanto de Private Equity, sendo necessário, portanto, entender as distinções em seus perfis e nos espaços em que se situam no processo de amadurecimento e crescimento de startups e scale-ups

Quanto à regulação, os primeiros veículos de investimentos via fundos surgiram com o advento da instrução CVM 209 de 1994, oportunidade em que se criou o fundo FMIEE (Fundo Mútuo de Investimento em Empresas Emergentes). Ocorre que esse fundo tinha uma série de limitações, tais como a identificação restritiva da classificação da investida como “empresa emergente”. Estas companhias deveriam ostentar as seguintes características: i) possuir faturamento líquido anual inferior a R$ 60 milhões; e ii) não fazer parte do grupo de sociedades com patrimônio líquido consolidado maior ou igual a R$ 120 milhões. Todavia, isso limitava, por exemplo, o aporte em empresas tecnológicas já em estágio de escala, com faturamento acima de R$ 60 milhões.

Posteriormente, através da Instrução Normativa 391 de 2003, criou-se outro formato de constituição de fundos de investimentos, com o surgimento da figura do Fundo de Investimento em Participação (FIP) . Segundo o artigo 2º da ICVM 391/2003, o Fundo de Investimento em Participações (fundo), constituído sob a forma de “condomínio fechado”, é uma comunhão de recursos destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas, participando do processo decisório da companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, notadamente através da indicação de membros do Conselho de Administração.

A Instrução CVM 391/2003, então, foi revogada pela Instrução Normativa 578, de 2016, atualmente em vigor.8 Essa instrução trouxe, pelo menos, 2 (duas) mudanças relevantes para o ecossistema de Startups. A primeira é a possibilidade de o FIP investir em sociedades limitadas (conforme previsto no artigo 5º desta instrução) e a segunda é a caracterização dos FIPs em 5 (cinco) categorias quanto à composição de suas carteiras:

I – Capital Semente;

II – Empresas Emergentes;

III – Infraestrutura (FIP-IE);

IV – Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I); e

V – Multiestratégia.

 

Esclarecidos os tipos diferentes de estruturação de fundos de investimento com atuação no segmento de startups, é preciso referir que, a depender da tese de investimento, do tempo de maturação e estágio de evolução da empresa investida, há outra forma de divisão dos fundos: trata-se da divisão entre fundos de Private Equity e de Venture Capital

Essa divisão, contudo, ficará para o próximo artigo, que publicaremos no nosso blog, em que você poderá obter todos os detalhamentos sobre esses fundos e como eles atuam nas distintas etapas do processo de funding de empresas de base tecnológica, com todos os seus pontos de atenção. Siga nos acompanhando para estar ciente das novidades relacionadas com startups, empresas de base tecnológica e studios de games, publicadas no site e nas redes sociais da Caputo Advogados.

 


1CARMEN, Gabriela Del. Mais smart do que money: dinheiro deixa de ser único diferencial para investidores. Startups por Gustavo Brigatto, 2022. Disponível em: https://startups.com.br/noticias/mais-smart-do-que-money-dinheiro-deixa-de-ser-unico-diferencial-para-investidores/. Acesso em: 07 dez. 2022.

2CARMEN, Gabriela Del.  Ibid. Acesso em: 07 dez. 2022.

3VENTURE Capital: o que é e como funciona? Distrito, 2022. Disponível em: https://distrito.me/blog/venture-capital-o-que-e-e-como-funciona/#:~:text=A%20diferen%C3%A7a%20entre%20Venture%20Capital%20e%20Private%20Equity%20reside%2C%20principalmente,e%2Fou%20expans%C3%A3o%20de%20neg%C3%B3cios. Acesso em: 05 dez. 2022.

4VENTURE Capital: o que é e como funciona? Distrito, 2022. Disponível em: https://distrito.me/blog/venture-capital-o-que-e-e-como-funciona/#:~:text=A%20diferen%C3%A7a%20entre%20Venture%20Capital%20e%20Private%20Equity%20reside%2C%20principalmente,e%2Fou%20expans%C3%A3o%20de%20neg%C3%B3cios. Acesso em: 05 dez. 2022.

5VENTURE Capital: o que é e como funciona? Distrito, 2022. Disponível em: https://distrito.me/blog/venture-capital-o-que-e-e-como-funciona/#:~:text=A%20diferen%C3%A7a%20entre%20Venture%20Capital%20e%20Private%20Equity%20reside%2C%20principalmente,e%2Fou%20expans%C3%A3o%20de%20neg%C3%B3cios. Acesso em: 05 dez. 2022.

6VENTURE Capital: o que é e como funciona? Distrito, 2022. Disponível em: https://distrito.me/blog/venture-capital-o-que-e-e-como-funciona/#:~:text=A%20diferen%C3%A7a%20entre%20Venture%20Capital%20e%20Private%20Equity%20reside%2C%20principalmente,e%2Fou%20expans%C3%A3o%20de%20neg%C3%B3cios. Acesso em: 05 dez. 2022.

7CAMARGO, Renata Freitas de. Fundos de investimento Private Equity e Venture Capital: um deles pode ser ideal para sua empresa. Treasy, 2017. Disponível em: https://www.treasy.com.br/blog/private-equity-e-venture-capital/. Acesso em: 05 dez. 2022.

8Instrução CVM 578. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst578.html. Acesso em: 27 fev. 2023.

 


 

*Rafael Duarte – Advogado, sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Startups, Estúdios de Games e Empresas de Base Tecnológica. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como InovAtiva Brasil, START (SEBRAE), entre outros; Diretor da Associação Gaúcha de Direito Imobiliário Empresarial (AGADIE); Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS e Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.

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