Espécies de Deadlock Provisions mais consolidadas no Universo Societário

deadlock provisions mais consolidadas no universo societário - Caputo Advogados

Por Nathally Reis e Rafael Duarte*

Como vimos no artigo anterior, faz-se importante a utilização de deadlock provisions na documentação societária da startup, com a finalidade de solucionar conflitos entre os sócios. No artigo foram explicitados os motivos pelos quais as deadlock provisions fazem diferença tão significativa na condução de impasses intrassocietários.

Agora, torna-se premente analisar as diferentes possibilidades, para que seja possível discutir internamente – e com seu departamento jurídico – qual a opção que melhor atende suas expectativas. 

A criatividade sempre tende a prosperar e é preciso ressaltar que, em se tratando de uma relação paritária, a vontade das partes prevalecerá, conforme estabelecida pela Lei da Liberdade Econômica, contanto que as estipulações não violem normas de ordem pública.

Passamos, então, à análise individual das deadlock provisions mais consolidadas no universo societário:

 

1) Buy or Sell, Shotgun ou Russian Roulette:

Trata-se da cláusula mais comum dentre as possibilidades de deadlock provisions. O seu nome é bastante intuitivo, visto que consiste na prerrogativa de um dos sócios, desinteressado em continuar vinculado societariamente com o outro sócio, formular uma proposta vinculante para adquirir a participação deste ou vender a sua participação para este. Assim, só há dois desfechos: ou o sócio notificante compra a participação do sócio notificado e este sai; ou o sócio notificante vende sua participação e sai da sociedade. 

Imaginemos o seguinte cenário: Bruna e Carla são as únicas sócias da empresa Alfarrobas Calçados LTDA., sendo cada uma proprietária de 50% das quotas sociais. Por conta de conflitos envolvendo estratégia de negócios, elas chegam a um impasse que não conseguem resolver dialogando. Como elas foram bem assessoradas na elaboração de seus documentos jurídicos, houve a previsão expressa de uma cláusula de shotgun em seu acordo de sócios. Bruna, então, fez uma proposta de pagar R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) em 10 parcelas mensais para adquirir a participação de Carla. Ao receber a proposta, Carla tem duas opções: ou aceitar a proposta e vender sua participação ou “inverter” a proposta e adquirir, nas mesmas condições, as quotas de Bruna. 

O grande diferencial dessa espécie é o forte incentivo que a proposta a ser feita pelo sócio notificante seja a melhor possível, uma vez que, caso formule uma proposta baixa, bastará ao sócio notificado invertê-la e comprar o notificante. Assim, no entendimento de Mariana Martins-Costa Ferreira, é um procedimento que prospera por conta do 

[…] “equilíbrio do terror” entre os sócios. (eis que) Inexistindo ‘terror’ ou ‘receio’ de que o outro sócio escolha a ‘melhor fatia do bolo’, a premissa essencial do procedimento deixa de existir, abrindo a possibilidade de haver abuso de direito ou exercício ilícito do direito potestativo de determinação do preço.1

Portanto, simplificando a compreensão da cláusula de buy or sell, shotgun ou Russian Roulette, ela tem o condão de conferir “aos sócios o direito recíproco de comprar ou vender as ações entre si de maneira compulsória.”2

 

2) Mexican Shootout:

Ainda, os sócios têm a possibilidade de se valerem da cláusula de Mexican Shootout, que difere da cláusula acima num ponto bem importante: na possibilidade de trocas contínuas de propostas, majorando ao máximo possível o valor de alienação das quotas. Isso decorre da peculiar dinâmica desta cláusula: quando instaurado o conflito, passam os sócios a trocar “propostas de compra e venda recíproca e forçada entre si e aquele que fizer a maior oferta deverá comprar a totalidade das quotas ou ações da outra parte pelo maior valor proposto.”3

Assim, o fundamento central da Mexican Shootout é criar uma sistemática para o fim de prestigiar o sócio que confira o maior valor à sociedade, dando-lhe o direito de continuar na sociedade e de adquirir, forçadamente, a participação do sócio com quem ele está divergindo. 

 

3) Fairest Sealed Bid ou Terceira Variação:

A terceira opção é denominada Fairest Sealed Bid (Terceira Variação), que, diferentemente das trocas contínuas de propostas – utilizada no Mexican Shootout -, essa envolve o envio de propostas lacradas para um terceiro imparcial e previamente indicado pelas partes

Esse terceiro será responsável por averiguar qual das propostas “está mais próxima ao valor real de cada quota/ação em relação ao valuation da empresa”4. Quanto à capacitação desse terceiro, ele poderá ser um árbitro especialista, contador de confiança, advogado ou qualquer profissional com conhecimento técnico idôneo para chegar à proposta mais adequada. 

Essa opção é vista com bons olhos por parte da doutrina, sob o fundamento de equanimidade, visto que, como as propostas são apresentadas lacradas, sem que um tenha acesso ao valor ofertado pelo outro, impõe-se que a “análise de preços para formulação da mesma tenha de seguir bases justas e realistas.”5 

Contudo, há grande complexidade em termos de regulamentação do procedimento. Por isso, é cediço que não basta aos sócios apenas estipularem em seu acordo de sócios que a escolha será feita pela solução de conflitos por meio da Fairest Sealed Bid (ou Terceira Variação); é preciso ir além, detalhando, minuciosamente, “todos os procedimentos descritos, consequências, prazos e outros pontos nevrálgicos para a questão”6, afastando-se eventual discussão judicial arguindo invalidade da cláusula.

 

4) Dutch Auction:

A Dutch Auction é muito semelhante à Mexican Shootout: os sócios em litígio também apresentarão suas propostas para aquisição da participação societária do outro, sagrando-se vencedor o sócio que tiver apresentado a proposta mais alta, novamente com o intuito de premiar aquele que tiver dado à sociedade o maior valor econômico e, portanto, deduz-se mais merecedor de continuar ostentando a condição de sócio.

A peculiaridade da Dutch Auction está na premissa de, além de assegurar a continuidade do sócio que confere maior valor agregado à sociedade, estipular uma espécie de “sanção” ao sócio que lança a proposta inferior. Isso porque, com vistas a introduzir um incentivo adicional a que ambos os sócios apresentem a melhor proposta que possam apresentar, o sócio vencedor terá o direito de adquirir as quotas/ações do outro sócio, pelo valor ofertado pelo sócio perdedor7

 

5) Texas Shootout (Shoot-out Action):

No Texas Shootout, a dinâmica é diferente, uma vez que se abre espaço para que os sócios envolvidos no impasse protagonizem uma espécie de “leilão de ofertas escalonadas”, até que um deles afirme não ter condições de arcar com a proposta caso siga subindo. O início do procedimento se dá por qualquer dos sócios, encaminhando uma notificação ao outro, relatando seu interesse em começar a troca de lances intervalados, observando os critérios descritos, preferencialmente, nos documentos societários (contrato social ou acordo de sócios).

Como forma de organizar corretamente os lances e os critérios estipulados, é recomendável que tudo isso seja organizado e coordenado por um terceiro. Logicamente, para guiar com exatidão o trabalho desse terceiro, é instrumental que a cláusula seja “muito bem redigida, constando prazos, descrição de procedimentos, formas de comunicação, consequências do não cumprimento de obrigações em tempo e modo, entre outros pontos.”8

 

6) One Cut The Other Chooses:

Uma opção bastante particular é a One Cut The Other Chooses, em que a ideia é solucionar o conflito recorrendo a uma espécie de reorganização societária: cisão forçada da sociedade. A solução encontrada, então, é dividir a sociedade “proporcionalmente na equivalência da participação de cada um dos sócios.”9

Em que pese seja uma alternativa viável, sob uma perspectiva técnico-terminológica, poderá haver dificuldades práticas para se definir como será operacionalizada a cisão efetivamente. Por isso, é razoável concluir que não se trata de uma opção de fácil aplicação. 

 

7) Put Option e Call Option:

As cláusulas de Put Option e Call Option tratam-se de alternativas interessantes e céleres, uma vez que conferem à sociedade a oportunidade de solucionar o conflito de modo justo, equânime e em critérios valorativos prévia e livremente estipulados pelos sócios de comum acordo na elaboração dos instrumentos societários. 

Vale referir que tais cláusulas representam as duas faces da mesma moeda. Enquanto a cláusula de Put Option consiste na previsão contratual favorável ao sócio minoritário, por outorgar “ao sócio o direito de vender sua participação ao mesmo tempo que obriga o outro sócio a comprá-la”10, a cláusula de Call Option beneficia o sócio majoritário, o qual passa a deter “o direito de obrigar a outra a lhe vender a sua participação também de acordo com critérios de precificação previamente determinados.”11 

Diante disso, a Put Option é o mecanismo que prestigia o sócio minoritário, oportunizando-lhe um way-out para os casos de divergência em relação a decisões tomadas pelo sócio majoritário, que lhe façam não mais pretender continuar vinculado societariamente. considerando que o propósito da disposição é criar uma situação de obrigação de aquisição no sócio que recebe a notificação. No caso da Call Option, por sua vez, o sócio minoritário não poderá obstar decisões relevantes do sócio majoritário, que poderá compelir o minoritário a vender sua participação ao majoritário. 

Como forma de garantir que toda a operação se dê de modo justo e transparente, o meio para se aferir o preço será previamente indicado no acordo de sócios, seja por valores prefixados (preço determinado) ou conforme critérios de apuração a posteriori (preço determinável).

 

8) Drag Along e Tag Along:

A última das cláusulas entendidas como possibilidades de deadlock provisions é o conjunto composto pela Drag Along e Tag Along, muito comuns em acordos de sócios, não restringindo a casos de conflitos entre sócios. Inclusive, trata-se de exemplos claros de como as deadlock provisions são mais adequadamente definidas como disposições contratuais tendentes à solução de impasses, e não conflitos propriamente ditos. 

Em determinados cenários, é possível que se esteja diante de um movimento de venda de relevante percentual de participação societária de dada empresa. Nesses casos, abrem-se duas possibilidades, as quais – assim como ocorre com a put option e call option -, conferem alternativas em prol dos sócios majoritário e minoritário. A cláusula de drag along tem o condão de obrigar os demais sócios minoritários a venderem sua participação, sempre que que o sócio majoritário decidir ofertar o negócio a terceiros interessados. Já a cláusula de tag along, pelo contrário, protege o sócio minoritário, para que, diante da decisão tomada pelo majoritário de vender sua participação na empresa (cash-out12), obrigue o majoritário a incluir a pequeno acionista na venda. Para que qualquer das cláusulas seja ativada, é recomendado que sejam estipulados balizadores quantitativos, como, por exemplo, valuation ou aporte mínimos, para que tais disposições sejam aplicadas. 

Conclui-se que essa sequência de artigos sobre deadlock provisions (Artigo nº 1) serviram para demonstrar como os sócios têm à sua disposição diversas possibilidades de regularem suas relações, tanto nos momentos em que tudo correr bem, quanto – principalmente – nos momentos em que a paz não prosperar. 

Ainda, a utilização de instrumentos padronizados, elaborados sem pensar nas particularidades daquela startup, poderá ser a causa do insucesso daqueles empreendedores ou a morte precoce da startup. Tudo isso seria facilmente evitado caso tivessem contado com suporte jurídico especializado e que já previsse, desde o início, mecanismos para assegurar a continuidade da startup, mesmo que sem todos os sócios fundadores. 

A preocupação é simples: o projeto e a startup vêm antes, e a forma de deixar isso consolidado, de comum acordo, é mediante acordos bem redigidos.

 


¹MARTINS-COSTA FERREIRA, Mariana. Buy or Sell e Opções de Compra e Venda para Resolução de Impasse Societário. 1ª Edição. São Paulo. Quartier Latin do Brasil, 2018, p. 107.

²SETA, Paduan. Resolvendo conflitos entre sócios: O que é Cláusula de Buy or Sell?. JusBrasil, 2019. Disponível em: https://paduanseta.jusbrasil.com.br/artigos/781440673/resolvendo-conflitos-entre-socios-o-que-e-clausula-de-buy-or-sell. Acesso em: 03 jul. 2022.

³DEADLOCK Provisions: O que existe além da cláusula de Shotgun? FBA Advocacia, 2021. Disponível em: https://fbaadvocacia.com.br/deadlock-provisions-o-que-existe-alem-da-clausula-de-shotgun/. Acesso em: 04 mai. 2022.

4DEADLOCK Provisions: O que existe além da cláusula de Shotgun? FBA Advocacia, 2021. Disponível em: https://fbaadvocacia.com.br/deadlock-provisions-o-que-existe-alem-da-clausula-de-shotgun/. Acesso em: 04 mai. 2022.

5 RODRIGUES, Gustavo S. Da importância de uma cláusula de Buy or Sell para resolução de impasses societários. Migalhas, 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/344886/importancia-de-uma-clausula-de-buy-or-sell-para-resolucao-de-impasses. Acesso em: 02 jul. 2022.

6 Idem.

7 SAMPAIO, Rafael Borges.Deadlock provisions” como mecanismo de saída forçada de sócio em situações de impasse societário. Medium, 2020. Disponível em: https://medium.com/@rafaela_sampaio/deadlock-provisions-como-mecanismo-de-sa%C3%ADda-for%C3%A7ada-de-acionista-em-situa%C3%A7%C3%B5es-de-impasse-societ%C3%A1rio-4f05b013d778. Acesso em: 13 jun. 2022.

8RODRIGUES, Gustavo S. Da importância de uma cláusula de Buy or Sell para resolução de impasses societários. Migalhas, 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/344886/importancia-de-uma-clausula-de-buy-or-sell-para-resolucao-de-impasses. Acesso em: 02 jul. 2022.

9 MALLMANN, Luiza Negrini. Acordo de sócios: cláusulas de resoluções de conflitos – Deadlock Provisions. MMT Advogados, 2021. Disponível em: https://mmtadvogadosblog.com.br/acordo-de-socios-clausulas-de-resolucoes-de-conflitos-deadlock-provisions/. Acesso em: 05 mai. 2022.

10 PEDROSA, Paulo André M. Conflitos societários – Cláusulas de put e call. Migalhas, 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/341548/conflitos-societarios–clausulas-de-put-e-call. Acesso em: 02 jul. 2022.

11 PEDROSA, Paulo André M. Conflitos societários – Cláusulas de put e call. Migalhas, 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/341548/conflitos-societarios–clausulas-de-put-e-call. Acesso em: 02 jul. 2022.

12 “Outra forma possível de entrada de valores via investimento é pela compra de ações já existentes. Como o caso de algum sócio querer vender sua parte em uma determinada rodada, e um novo investidor adquiri-la. Essa seria a ‘oferta secundária de ações’. Uma característica desse modelo é que o investimento irá remunerar o sócio que está saindo, alienando sua participação societária.” (CASH In e Cash Out: como o dinheiro entra em empresas investidas. StartupSC, 2021. Disponível em: https://www.startupsc.com.br/como-o-dinheiro-entra-em-empresas-investidas/. Acesso em: 04 jul. 2022) (grifou-se).

 

*Nathally Reis, Estudante da Escola de Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e bolsista de Iniciação Científica no Tecnopuc Startups, com atuação em projetos como o Startup Garage, no desenvolvimento do programa e na mentoria de startups, e no TecnopucLaw, iniciativa da escola de Direito para auxílio aos empreendedores do Tecnopuc nas suas questões jurídicas. Atualmente, estagiária no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial especializada em startups.

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*Rafael Duarte, Sócio do escritório Caputo Advogados, com atuação especializada em Empresas de Base Tecnológica e Startups. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Mentor em programas de empreendedorismo e desenvolvimento de negócios inovadores, tais como Inovativa Brasil, entre outros; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.

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