Contrato de Representação Comercial e Diferenças Práticas para o Contrato de Trabalho e Contrato de Parceria Empresarial

*Por Nathally Taylor Reis 

 

O contrato de representante comercial é uma ferramenta importante no mundo dos negócios, tendo em vista que a figura de um representante pode desempenhar papel fundamental na expansão e eficiência das operações comerciais da empresa representada, em diferentes setores da economia.  

Ao estabelecer uma relação formal entre empresas e seus representantes, esse instrumento legal pode proporcionar uma base sólida para a condução dos negócios, permitindo que as partes atuem em conjunto para alcançar seus objetivos. No mercado de trabalho atual, a utilização do contrato de representante comercial tornou-se uma prática comum e estratégica, mas que deve ser analisada cautelosamente pela empresa antes de ser utilizada, em razão de suas particularidades.

No presente artigo, iremos explorar a importância desse contrato, suas principais características e como ele é aplicado no atual contexto de mercado. Além disso, analisaremos os desafios e benefícios que essa relação comercial traz para as partes envolvidas e destacaremos a sua relevância no cenário empresarial, realizando um comparativo com as diferentes alternativas disponibilizadas à empresa: o contrato de trabalho e o contrato de parceria empresarial. 

 

PRINCIPAIS REGRAS DA LEI DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL (LEI FEDERAL 4.886/65)

Diferentemente dos contratos atípicos, para os quais inexiste regulamentação própria em lei, a relação de representação comercial está formal e detalhadamente definida na Lei Federal nº 4.886, sancionada em 09 de dezembro de 19651, cuja finalidade é regular a atuação dos representantes comerciais autônomos, contanto que presentes diversos requisitos cumulativos para que  esse tipo de atividade esteja devidamente caracterizado.

A lei define os requisitos básicos que deverão ser cumpridos por qualquer pessoa física ou jurídica que deseja exercer essas atividades, bem como estabelece as competências do Conselho regulamentador, servindo, ainda, para definir como se dará a relação jurídica de representação comercial.2

A atividade de representante comercial é constituída como tal através de um contrato de representação, como dito acima. Todavia, o que a empresa deve se atentar é que este instrumento guarda algumas particularidades, definidas principalmente nos arts. 3º3 e 4º4 da Lei Federal 4.886/65, que define quem pode ou não exercer o papel de representante comercial. Ainda, é importante destacar que a lei é explícita ao enumerar os casos em que resultarão na proibição para exercício da atividade de representação comercial

Além do mais, nos contratos de representante comercial, a Lei trata de deixar claro quais são as informações adicionais que necessitam estar presentes nesse documento, através do caput do artigo 27.5

Por último, é fundamental atentar-se ao fato que, caso ocorra a rescisão do contrato fora dos casos admitidos pelo artigo 35, o Representante fará jus à indenização, de um terço (1/3) das comissões auferidas pelo representante, nos três meses anteriores, conforme dispõe o art. 34 da Lei 4886/65.6

 

  • Características do Contrato de Representante Comercial

Assim, conforme mencionado anteriormente, o contrato de representação comercial é caracterizado por sua natureza mais restritiva e tende a ser altamente protetivo do ponto de vista contratual, o que faz com que a criatividade na elaboração do instrumento acabe sendo tolhida por imposição legal. Isso ocorre, devido às disposições legais que estabelecem coercitivamente as seguintes características para o contrato:

  1. A remuneração do representante deve ser calculada com base no valor bruto da totalidade das vendas;
  2. A contratante só pode rescindir o contrato em circunstâncias estritamente previstas na lei, conhecidas como “motivos justos“. Caso contrário, a empresa está sujeita a pagar uma indenização ao representante, equivalente a 1/12 de toda a remuneração que o representante tenha recebido ao longo do contrato, com correção monetária;
  3. É vedado realizar alterações no contrato que, direta ou indiretamente, resultem na redução da média dos ganhos obtidos pelo representante nos últimos seis meses de vigência do contrato.

 

Portanto, é  importante citar que, em certas situações, a adoção de um contrato de representação comercial pode ferir a autonomia privada e a liberdade contratual desejados pelas partes, elementos fundamentais em certas relações empresariais, devendo a empresa avaliar, portanto, se está disposta a assumir essas obrigações e restrições.

 

DA CELEBRAÇÃO DE UM CONTRATO ATÍPICO (CONTRATO DE PARCERIA)

Os contratos atípicos são frutos da autonomia privada e da liberdade contratual, resultando, na maioria das vezes, na formação de regras não escritas com base nas práticas comerciais.7 Esses instrumentos estão se tornando cada vez mais relevantes em uma sociedade em constante evolução econômica, que exige soluções mais avançadas para atender às suas demandas.

Dentre as principais vantagens da utilização de um contrato atípico, pode ser citada a autonomia da vontade das partes, que, através desse tipo de relação, é possível oferecer uma maior flexibilidade na estruturação dos termos e condições do acordo. Nesse caso, as partes possuem uma maior liberdade para definir cláusulas que atendam às suas necessidades específicas, em vez de aderir a um formato padrão, com legislação específica para tal.

Ainda, as partes têm um maior controle sobre os termos do contrato, o que pode ajudar a evitar desentendimentos e litígios futuros, uma vez que o acordo é adaptado às suas expectativas específicas.

Importante citar a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019), que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabeleceu garantias de livre mercado e em seu artigo 1º:

Art. 1º  Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal.

  • O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.
  • Interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas.

 

Ademais, o art. 2º estabelece que são princípios desta lei a liberdade, a boa-fé e a intervenção do estado a título subsidiário e excepcional:

Art. 2º  São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:

I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas;

II – a boa-fé do particular perante o poder público;

III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; 

 

Quando as partes decidem por elaborar um contrato que possui legislação específica, bem como diversas obrigações já reguladas em lei, acaba por perder esta autonomia, tida como essencial em diversas atividades.

Todavia, é crucial estar ciente de que, embora a utilização destes instrumentos legais seja válida e possível, não se pode subestimar o potencial risco envolvido. 

Em situações de litígio entre as partes contratantes, é plausível que o contratado busque a desconsideração desses contratos, argumentando que, na realidade, eles deveriam ser reconhecidos como uma modalidade distinta com maior proteção legal para ele. Portanto, a prudência exige que as partes envolvidas em tais acordos estejam atentas não apenas à formalização do contrato, mas também à sua substância e à clareza de suas cláusulas, bem como das práticas comerciais, a fim de mitigar futuras incertezas jurídicas e potenciais disputas entre as partes.

 

CARACTERÍSTICAS PARA CONFIGURAÇÃO DE VÍNCULO TRABALHISTA

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que o risco de configuração de vínculo de emprego é inerente, independentemente do tipo de contrato utilizado ou do nome dado a ele. Isso ocorre, porque, no campo trabalhista, o Princípio da Primazia da Realidade é predominante, o que significa que a situação real – ou seja, os fatos concretos – tem mais importância do que o disposto no contrato escrito. 

Sendo assim, a Consolidação das Leis do Trabalho, mais conhecida como CLT, estabelece, no seu art. 3º, que será entendido como empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Dada a importância do tema, esses requisitos trazidos pela lei para configuração do vínculo de emprego devem ser analisados um a um, vejamos: 

  1. Pessoa física. Somente pessoas físicas podem ser consideradas empregados, nunca uma pessoa jurídica; Todavia, é importante esclarecer que apenas a utilização de pessoa jurídica não é suficiente para afastar o vínculo, tendo em vista que, na prática, quem vai exercer o trabalho será uma pessoa física, razão pela qual a simples constituição da pessoa jurídica para fraudar os direitos trabalhistas não é suficiente, sendo, inclusive, artifício rotineiramente derrubado pelo Poder Judiciário.
  2. Pessoalidade. A ideia de pessoalidade está atrelada ao caráter de “intuitu personae“, em que o contratado não pode se fazer substituir por outra pessoa, bem como não poderá ter empregados.
  3. Não eventualidade. Para caracterização deste elemento, é necessário que o trabalho prestado seja habitual, ou seja, de maneira contínua. Quando se está obrigado a um contrato de trabalho, o funcionário tem a responsabilidade de cumprir o combinado e comparecer ao trabalho, pois, caso não possa comparecer, é dever dele fornecer uma razão válida para tal. Caso a ausência não seja justificada ou aceitável, o funcionário perderá o pagamento do dia e enfrentará outras consequências, como a possibilidade de ser dispensado por justa causa. Em um contrato sem relação de emprego, o prestador não está obrigado a explicar sua ausência; ele pode simplesmente recusar o serviço sem repercussões, mas não receberá qualquer remuneração.
  4. Onerosidade. O resultado da prestação de serviços pelo empregado ao empregador é feito mediante o recebimento de salário, caracterizando-se, assim, a figura da onerosidade na relação. 
  5. Subordinação. Existe quando a empresa exerce seu poder de gestão sobre o empregado, causando uma dependência laboral através de comandos e fiscalização direta. É relevante mencionar que a distinção fundamental em relação ao que ocorre no caso de um prestador de serviços autônomo, como no caso de parceiros e representantes comerciais, consiste na falta desse critério específico. Em tais casos, o profissional não assume o papel de um empregado, não está sujeito a subordinação e realiza suas tarefas de forma independente, enfrentando os desafios inerentes ao seu próprio empreendimento.

 

No que tange à figura de representante comercial em face do risco de caracterização de vínculo empregatício, importante citar que os tribunais observam também a presença dos seguintes elementos excludentes do vínculo de emprego, caracterizando o trabalho autônomo ou de representação comercial, que são:8 

  1. Dispõe de escritório próprio e admite profissionais para auxiliá-lo;
  2. Recolhe ISS;
  3. Faz-se substituir por terceiros ou prepostos de sua confiança;
  4. Tem liberdade no método de trabalho, sem obedecer critérios fixados pela empresa representada;
  5. É registrado no Conselho de Representantes Comerciais.

Além disso, o representante comercial deve, obrigatoriamente, ter registro no conselho regional da categoria. Vale lembrar, contudo, que não é possível criar um registro de microempreendedor individual (MEI) para a função de representante comercial.9

Porém, é fundamental referir que, mesmo que seja utilizada a lei da Representação Comercial, isso não é suficiente, por si só, para afastar a potencialidade do reconhecimento de vínculo empregatício. Sendo assim, ainda que haja um contrato de representação comercial firmado entre as partes, caso os elementos do artigo 3º da CLT estejam presentes, o reconhecimento de vínculo empregatício poderá ocorrer em esfera judicial. 

Em um mundo empresarial cada vez mais dinâmico e diversificado, é fundamental reconhecer que todas as formas e instrumentos contratuais disponíveis carregam consigo vantagens e desvantagens inerentes. Nesse cenário, a escolha do contrato mais adequado para um caso concreto caberá ao empreendedor. 

Para tomar essa decisão com assertividade, é essencial que o empreendedor analise cuidadosamente as particularidades de seu negócio, bem como os objetivos, riscos e necessidades específicas envolvidas em sua transação contratual, o que, certamente, será facilitado caso conte com uma assessoria jurídica especializada para isso. A flexibilidade e a adaptabilidade devem ser as principais diretrizes, permitindo que o contrato se molde às exigências mutáveis do mercado e às circunstâncias que podem surgir ao longo do tempo. Em última análise, a chave para o sucesso reside em fazer escolhas informadas e estratégicas, aproveitando ao máximo os contratos como ferramentas que impulsionam o crescimento e a proteção dos negócios.

 


 

*Nathally ReisAdvogada, formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS); atuação em projetos no Tecnopuc Startups, como o Startup Garage e TecnopucLaw, iniciativa da escola de Direito para auxílio às empreendedores do Tecnopuc nas suas questões jurídicas. Atualmente, advogada no Caputo Advogados Associados, assessoria empresarial com ênfase em Startups e Estúdios de Games.

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1BRASIL. LEI Nº 4.886, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965. Lei de Representação Comercial. Diário Oficial da União, Brasília, 10 dez. 1965. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4886.htm>. Acesso em 27 de setembro de 2023.

2FACHINI, Tiago. Lei 4886/65 ou Lei de Representação Comercial: principais pontos. Projuris, 2022. Disponível em: https://wwL4886w.projuris.com.br/blog/lei-4886-65-representacao-comercial/#:~:text=A%20Lei%204886%2C%20sancionada%20em,o%20contrato%20de%20representa%C3%A7%C3%A3o%20comercial. Acesso em 27 de setembro de 2023.

3Art. 3º O candidato a registro, como representante comercial, deverá apresentar: a) prova de identidade; b) prova de quitação com o serviço militar, quando a êle obrigado; c) prova de estar em dia com as exigências da legislação eleitoral; d) fôlha-corrida de antecedentes, expedida pelos cartórios criminais das comarcas em que o registrado houver sido domiciliado nos últimos dez (10) anos; e) quitação com o imposto sindical.” BRASIL. LEI Nº 4.886, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965. Lei de Representação Comercial. Diário Oficial da União, Brasília, 10 dez. 1965. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4886.htm>. Acesso em 27 de setembro de 2023.

4“Art. 4º Não pode ser representante comercial: a) o que não pode ser comerciante; b) o falido não reabilitado; c) o que tenha sido condenado por infração penal de natureza infamante, tais como falsidade, estelionato, apropriação indébita, contrabando, roubo, furto, lenocínio ou crimes também punidos com a perda de cargo público; d) o que estiver com seu registro comercial cancelado como penalidade.” BRASIL. LEI Nº 4.886, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965. Lei de Representação Comercial. Diário Oficial da União, Brasília, 10 dez. 1965. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4886.htm>. Acesso em 27 de setembro de 2023.

5Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados, constarão obrigatoriamente:  a) condições e requisitos gerais da representação; b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação; c) prazo certo ou indeterminado da representação d) indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação; e) garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da exclusividade de zona ou setor de zona; f) retribuição e época do pagamento, pelo exercício da representação, dependente da efetiva realização dos negócios, e recebimento, ou não, pelo representado, dos valores respectivos; g) os casos em que se justifique a restrição de zona concedida com exclusividade; h) obrigações e responsabilidades das partes contratantes: i) exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado; j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.” BRASIL. LEI Nº 4.886, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965. Lei de Representação Comercial. Diário Oficial da União, Brasília, 10 dez. 1965. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4886.htm>. Acesso em 27 de setembro de 2023.

6“Art. 34. A denúncia, por qualquer das partes, sem causa justificada, do contrato de representação, ajustado por tempo indeterminado e que haja vigorado por mais de seis meses, obriga o denunciante, salvo outra garantia prevista no contrato, à concessão de pré-aviso, com antecedência mínima de trinta dias, ou ao pagamento de importância igual a um terço (1/3) das comissões auferidas pelo representante, nos três meses anteriores.” BRASIL. LEI Nº 4.886, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965. Lei de Representação Comercial. Diário Oficial da União, Brasília, 10 dez. 1965. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4886.htm>. Acesso em 27 de setembro de 2023.

7NICODEMOS, Erika. Contratos Atípicos. Jus, 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25728/contratos-atipicos>. Acesso em 15 de setembro de 2023;

8Redação Declatra. Vínculo de emprego do representante comercial: quando ocorre?. Declarata, 2022. Disponível em: <https://www.declatra.adv.br/vinculo-emprego-representante-comercial/#:~:text=Via%20de%20regra%2C%20a%20atua%C3%A7%C3%A3o,contratando%20vendedores%20como%20representantes%20comerciais.>. Acesso em 27 de setembro de 2023.

9Redação Declatra. Vínculo de emprego do representante comercial: quando ocorre?. Declarata, 2022. Disponível em: <https://www.declatra.adv.br/vinculo-emprego-representante-comercial/#:~:text=Via%20de%20regra%2C%20a%20atua%C3%A7%C3%A3o,contratando%20vendedores%20como%20representantes%20comerciais.>. Acesso em 27 de setembro de 2023.

 

 

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